Um crime que assombrou o Brasil e repercutiu no mundo completa 20 anos sem solução. Em 21 de março de 2001, o adolescente Lucas Terra, 14, foi estuprado, queimado vivo e assassinado por pastores da Igreja Universal do Reino de Deus, em Salvador, Bahia.
Só um dos três criminosos foi condenado, e cumpriu apenas uma parte da pena. Marion Terra, 62 anos, mãe do adolescente, desabou ao saber da possibilidade de prescrição da pena dos outros dois réus. Nas duas últimas décadas da sua vida, ela tem lutado constantemente por justiça.
O jovem Lucas Terra sempre foi muito religioso e, em janeiro de 2001, começou a frequentar a Igreja Universal no bairro de Santa Cruz. Ele, o seu pai Carlos Terra e os seus irmãos estavam passando uma temporada de verão na capital baiana, onde um dos irmãos de Lucas morava.
Ele iniciou um namoro com uma adolescente que frequentava a mesma igreja, e tinha como mentor o pastor Sílvio Galiza, que comandava a unidade.
Na noite de 21 de março, o adolescente foi o único do grupo que participava a ser convocado por Galiza para ir de ônibus à Universal da Pituba, a quatro quilômetros da igreja em Santa Cruz, para receber a gravata de obreiro.
Lucas foi queimado vivo
Chegado ao local, o adolescente foi levado a força para outro templo da Universal, em Rio Vermelho, onde foi torturado e abusado sexualmente. Em seguida, Lucas foi colocado dentro de um caixote e carbonizado vivo em um terreno baldio na Avenida Vasco da Gama, em Salvador.
Segundo o testemunho do criminoso, Lucas flagrou os pastores Fernando Aparecido da Silva e Joel Miranda Macedo em um ato sexual no templo. Por este motivo, o jovem foi assassinado, conforme relatou Galiza, em um depoimento feito em 2008.
Somente no dia 23 de março, o corpo de Lucas de 14 anos foi encontrado, enquanto o seu pai, Carlos, procurava o filho sem comunicar nada para mãe Marion, que estava na Europa.
A família Terra iria se mudar para Parma, na Itália, onde trabalharia em um restaurante. Marion viajou para o continente europeu antes dos outros integrantes da família. Ela só só soube do assassinato do seu filho caçula duas semanas depois.
Ela retornou ao Brasil em abril, e teve que esperar 43 dias para enterrar o corpo do filho, após o Instituto Médico Legal (IML) realizar o exame de DNA. O inquérito demorou e foi concluído só em outubro daquele ano.
Os pais do adolescente assassinado enviou uma carta à Organização das Nações Unidas (ONU) questionando a demora no processo e como Galiza, que morava na periferia, pagava um time de advogados.
Após a pressão e a repercussão do caso, o primeiro julgamento do pastor Galiza aconteceu em junho de 2004.
A mãe do adolescente chegou a receber várias ameaças na época. “Eu recebia ligações de pessoas dizendo para eu parar de denunciar a igreja, que era para eu me preocupar com os meus filhos, que estávamos manchando a imagem da Universal. Tentaram de todas as formas nos intimidar”, afirma Marion Terra.
Ela afirma que a Igreja Universal do Reino de Deus tem atuado para impedir a condenação dos três pastores.
Acusado de homicídio qualificado com motivo torpe e ocultação de cadáver, Galiza foi condenado inicialmente a 23 anos e cinco meses de prisão. Os advogados recorreram, a pena caiu para 18 e, posteriormente, 15 anos. Porém, ele só cumpriu sete anos e segue atualmente em liberdade condicional.
Outros envolvidos no assassinato
Somente em 2018, após o depoimento de Galiza, a Justiça abriu um processo contra os outros acusados: Fernando Aparecido da Silva e Joel Miranda Macedo.
Em 2010, eles receberam habeas corpus do Supremo Tribunal Federal (STF) e, três anos depois, foram inocentados, alegando falta de provas. A família de Lucas Terra recorreu da decisão.
No ano de 2015, o Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) decidiu que os outros acusados, Silva e Macedo, teriam que enfrentar um júri popular. O ministro do STF Ricardo Lewandowski barrou a decisão, adotando a tese da falta de provas, em novembro de 2018. Entretanto, após um novo recurso, o órgão decidiu, por meio da ministra Cármen Lúcia, em setembro de 2019, que os pastores seriam julgados, descartando a chance de novos recursos.
Júri popular está atrasado por causa da pandemia
Em março de 2020, veio a pandemia da Covid-19 e atrasou novamente a data de julgamento dos réus. A reportagem pediu ao TJBA informações sobre o andamento do caso.
“O processo é físico, possui vários volumes. Estamos aguardando a unidade onde tramita o processo analisar as peças digitais para que possamos responder a demanda”, informou, em nota, a assessoria de imprensa do órgão.
De acordo com a advogada Tuany Sandes Cardoso, que atua como assistente de acusação de Marion Terra, eles sentarão no banco dos réus, mas existe a chance de não cumprirem a pena, se a Justiça brasileira retardar a entrega de recursos. Caso sejam condenados, eles poderão recorrer ao Tribunal de Justiça, ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal.
Religiosa e frequentadora da Assembleia de Deus, a mãe de Lucas Terra classifica a Igreja Universal do Reino de Deus como uma “empresa que está manchada com o sangue” de seu filho. Para ela, tanto Silvio Galiza quanto Fernando Aparecido da Silva e Joel Miranda Macedo são “lobos travestidos de pastores”.
“Minha vida tem sido difícil, de altos e baixos, mas sempre procurei me fortalecer, me manter em pé. Carrego uma sensação de impotência muito grande, é como se a condenação fosse de fato para nós. Primeiro vieram os 20 anos e agora parece que vai se estender para toda a vida”, finaliza.